Ao luar - Conto

Ao luar

A poça d’água na calçada reflete a lua cheia, insana, desvairada. Os jovens caminham sem direção, mãos dadas, sentindo o aroma embriagador e úmido da noite, fazendo-os esquecer a fome. Já não são mais os mendigos que vagam pelas ruas atrás de um alimento qualquer. Já não são mais os fantasmas ignorados por uns, temidos por outros. São rei e rainha, lobo feroz e sua fêmea no cio. O roçar delicado dos braços dá início à dança que anuncia o ritual sagrado. Seguem, lado a lado, em busca de algo que não é dito, mas é desejado. Ele sugere a praça. Ela aceita. A encontram deserta, mas povoada de encantamentos. O farfalhar das árvores e o guizalhar dos grilos harmonizam-se, compondo a mais bela melodia que já ouviram. A moça, entorpecida, sente o corpo leve do rapaz sobre o seu, a mão dele deslizando sobre a sua magreza. Sem acreditar, ouvem a voz do homem fardado que os observa, de pé, com olhos ameaçadores. Se não tomarem jeito, serão levados “em cana”. Levantam-se e seguem a caminhada noturna.



O terreno baldio, onde a criançada joga futebol, estará vazio a essa hora. Sim, ele concorda, o terreno baldio. Não podem esperar, têm pressa. Ela, coração aos pulos; ele, tonto de tanto a querer. Empenham-se na busca pela saciedade com a pressa dos animais famintos, atiram-se no precipício da paixão com a urgência e o desespero daqueles que já não possuem mais nada, nem mesmo um amanhã. Correm, pois precisam transpor três quadras do local onde se encontram até o Éden. Não percebem as pessoas nas ruas, nem enxergam as casas que vão ficando para trás. Ao chegarem, logo compreendem que não podem ficar. Outros mendigos ocupam o lugar. Voltam a errar pelas ruas.

A lua, cada vez mais entorpecida, grita, protesta, exige que algo seja feito, que uma providência seja tomada. Os enamorados decidem não procurar mais pelo paraíso. O rapaz junta do chão um jornal velho, separa as folhas, uma a uma, e as vai colocando na calçada, uma ao lado da outra, estendendo o lençol mágico, coberto de misérias e de flagelos. Ao ver a amada refletir a lua na pele, ostra revelando a pérola, acredita que jamais sentirão fome novamente. Juntos vencerão guerras, conquistarão impérios, dominarão o mundo. Usufruem a abundância que transborda de suas entranhas e quase os afoga de felicidade. Mergulham na insensatez dos que muito se querem. As pessoas que passam não os podem ver, pois os dois amantes são os protegidos da lua.


Ao luar

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