Cartas Portuguesas, romance epistolar de Mariana Alcoforado - Editora L&PM

Cartas Portuguesas - Autora: Mariana Alcoforado - Editora L&PM - Ano: 1997 - Número de páginas: 80 - Skoob



Esse belíssimo livro é um romance epistolar, ou seja, aquele que é escrito em forma de cartas ou diário. Intitula-se Cartas Portuguesas e é atribuído à Sóror  Mariana Alcoforado. Trata-se de um grande clássico da literatura portuguesa, que foi publicado pela Editora L&PM e conta a história de uma moça que vivia em um convento desde os doze anos. Ao conhecer um oficial francês, apaixonou-se imediatamente por ele. Seduzida e abandonada, a jovem religiosa começa, então, a enviar cartas arrebatadas ao seu amor. 


A obra é composta de cinco cartas, nas quais se percebe uma transformação que vem ocorrendo, gradativamente, no entendimento que a moça tem da situação. Embora haja controvérsias quanto ao fato de as cartas terem, realmente, sido escritas por uma mulher ou, então, se teriam sido produzidas por um homem, vai-se considerar, para esta análise, a primeira hipótese, já que é o único elemento que se tem: uma obra cuja autoria é atribuída a uma mulher.

Na primeira carta, embora chorosa, ela demonstra que acredita no amor do oficial e tem esperanças de que ele volte:

"De modo nenhum quero imaginar que me tenhas esquecido. (…) E por que razão havia de me esforçar por esquecer todos os desvelos que puseste em me testemunhar amor? Tão encantada fiquei com tais desvelos que bem ingrata seria se não te amasse com o mesmo arrebatamento que a minha paixão me dava, quando me era dado gozar o testemunho da tua. (p. 15).
(…) poderei alguma vez viver sem males, enquanto não voltar a ver-te? (p. 16).
(…) só acuso a dureza da minha sorte. Parece-me que, ao separar-nos, ela nos fez todo o mal que tínhamos a temer: os nossos corações não os podia ela separar! O amor, mais poderoso do que ela, uniu-os para toda a vida!" (p. 18).

A passagem acima demonstra, claramente, que a jovem acredita que não sofre sozinha, pois pensa que a distância causa a mesma dor no oficial. Na segunda correspondência enviada pela noviça, a dúvida quanto ao amor do oficial e quanto ao seu possível retorno começa a corroê-la:

"(…) e olho sem cessar o teu retrato, que me é mil vezes mais caro do que a vida. É ele que me dá alguma alegria; mas provoca-me também um grande sofrimento, quando penso que talvez nunca mais te volte a ver. E por que há de ser possível que nunca mais te veja? Ter-me-ás abandonado para sempre? (p. 27)."

Todavia, ela ainda crê na possibilidade de sensibilizá-lo, de forma a fazê-lo voltar atrás na decisão de ficar afastado. Para isso, tenta algo que se aproxima de uma chantagem emocional, fazendo-lhe ver o quanto ela padece, o quanto o ama, ou seja, ela sofre, mas ainda acredita que a situação desfavorável em que se encontra pode ser revertida por meio da demonstração de dor presente em suas cartas:

"(…) a tua disposição para me atraiçoar acaba por levar a melhor sobre a justiça que deves a quanto fiz por ti. (p. 22).
Serão, então inúteis todos os meus desejos? E não hei de tornar a ver-te no meu quarto com todo o ardor e impetuosidade que me manifestavas?" (p. 22).

A terceira carta mostra o auge da amargura e da desilusão da jovem religiosa. Esse é o momento em que ela se dá conta da realidade, percebendo que o amor que nutre pelo oficial não é correspondido. É aqui que a crise da moça atinge o topo e que se percebe mais claramente a transformação que está ocorrendo em seu modo de enxergar o romance:

"Enfureço-me contra mim própria quando penso em tudo quanto te sacrifiquei: perdi a minha reputação, expus-me ao furor dos meus parentes, à severidade das leis deste país contra as religiosas e à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças. (p. 34).
Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim. A minha memória ser-te-ia cara, e talvez fosses sensivelmente tocado por uma morte fora do comum. Não valerá mais a morte do que o estado a que me reduziste?" (p. 36).

Percebe-se, através do tom depressivo das passagens acima, o momento de crise expresso nas palavras da menina, o que aumenta na quarta carta, pois então, ela já não acredita mais, definitivamente, no amor do oficial. É nesta parte da obra que ela demonstra mais clara e abertamente a sua mágoa:

"Consumiste-me com a tua assiduidade! Inflamaste-me com os teus transportes! Encantaste-me com as tuas complacências! Tranquilizaste-me com as tuas juras! A minha violenta inclinação me seduziu, e o que se seguiu a estes inícios tão agradáveis e tão felizes são apenas lágrimas, suspiros e uma morte atroz, sem que a isso possa dar remédio algum. (p. 42 – 43).
Acompanha-me constantemente, e é para mim desagradável em extremo o ódio e o desgosto que sinto por todas as coisas. A minha família, os meus amigos, este con­vento, tudo me é insuportável! Tudo o que sou obrigada a ver e tudo o que tenho de fazer por absoluta necessidade me é odioso. Sou tão ciumenta da minha paixão que até me parece que todas as minhas ações e que todos os meus deveres a ti se referem." (p. 46).

Por fim, a quinta e última carta apresenta a total transformação sofrida pela garota, que não só não acredita mais neste amor, como, também, está determinada a esquecê-lo. Este capítulo representa a determinação de um rompimento definitivo da moça com o seu passado. Nesse intuito, ela se torna agressiva, em vez de amorosa como antes. Passa a desfazer do antigo amante, na tentativa de se convencer de que ele nada vale:

"Deixei-me seduzir por qualidades bem medíocres! Que fez, afinal, que me pudesse agradar? Que é que me sacrificou? Não procurou antes mil outros prazeres? Acaso renunciou ao jogo e à caça? Não foi o primeiro a partir para a guerra? Não foi o último a voltar de lá? Nela se expôs loucamente, apesar de lhe ter pedido que se poupasse por amor de mim. Não fez nada para se fixar em Portugal, onde era estimado: bastou uma carta do seu irmão para o fazer partir daqui sem hesitar um momento. E não vim mesmo a saber que, durante toda a viagem, mostrou sempre uma extraordinária boa disposição? É forçoso reconhecer que sou obrigada a odiá-lo mortalmente! (p. 66).
Que perfídia! Julga que pôde enganar-me impunemente? Se algum acaso o trouxer a esta terra, juro-lhe que o entregarei à vingança dos meus parentes." (p. 67).

Essa transformação, mencionada acima, fica evidente, ainda, se compararmos o final de cada carta:

"Adeus! Não posso mais! Adeus! Ama-me sempre e faze-me sofrer ainda maiores males." (p. 18).
Adeus, adeus! Tem compaixão de mim! (p. 27).
Adeus! Minha paixão aumenta a cada momento! Ah!, quantas coisas tinha ainda para te dizer!… (p. 37).
Adeus! Perdoa-me! Já não ouso pedir-te que me ames: vê a que estado me reduziu o meu destino! Adeus! (p. 54).
Sou uma louca em voltar a dizer as mesmas coisas tantas vezes! É preciso que o deixe e que não volte a pensar em si. Julgo mesmo que não voltarei a escrever-lhe. Tenho alguma obrigação de lhe dar contas dos meus atos?" (p. 70)

Há uma gradação no comportamento da jovem, que inicia pedindo para ser amada; após, pede compaixão; em seguida, afirma ver o seu amor aumentar, demonstrando que está no limite; continua, afirmando não ousar pedir-lhe mais nada; e, finalmente, rompe em definitivo com qualquer possibilidade de esperança para o seu amor.

O tema da mulher arruinada por um amor não correspondido não é incomum, podendo ser encontrado em várias obras. Entretanto, Cartas Portuguesas apresenta a particularidade de mostrar uma transformação que pode ser vista com certo otimismo, estabelecendo-se relação com o mito da ninfa aquática Clície. Esta era apaixonada por Apolo, que a desprezava. De tanto amor, ficou completamente debilitada, passando os dias inteiros sentada no mesmo lugar, observando o trajeto do carro do Sol. Ficou nessa situação exatos nove dias, sem comer nem beber nada, alimentando-se apenas de suas próprias lágrimas e do orvalho. Durante todo esse tempo ela, diariamente, esperava o nascer do Sol e acompanhava, com o olhar, o seu percurso, até o momento do crepúsculo, sem ver nada além do ser amado. Finalmente, seus pés começaram a criar raízes e seu rosto tornou-se uma flor que gira sobre a própria haste, sempre virada para o Sol. Dessa forma, o amor frustrado da ninfa Clície transformou-se na flor que conhecemos pelo nome de girassol.

Se as crises pelas quais todos passam servem para tornar os indivíduos melhores, de alguma forma. Pode-se entender essa obra como a metáfora da transformação através da dor. Ampliando o sentido inicial, de amor malogrado, é possível pensar que todas as frustrações, qualquer que seja a sua natureza, podem ser transformadas em algo positivo, desde que o indivíduo possa viver todos os momentos do processo psicológico que as envolve. Foi o que aconteceu com a jovem autora das cartas, pois da mesma forma que Clície transformou-se, através do seu sofrimento, eternizando-se no girassol, a religiosa eternizou-se oferecendo-nos a flor que é o romance epistolar Cartas Portuguesas, obra-prima da literatura portuguesa.

Cartas Portuguesas, romance epistolar de Mariana Alcoforado - Editora L&PM

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